sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Osservatore Romano ataca a "Dominus Jesus" e a "Ecclesia Dei"?

16 de fevereiro 2011

Entre convites implícitos ao sincretismo religioso e acusações veladas contra o rito tradicional


 L'Osservatore Romano nos últimos tempos parece sair de sua tradicional prudência e da respeitosa homenagem à Sé Apostólica, para dar-se a iniciativas de tipos variados, mas sob um olhar mais minucioso, todas na mesma linha editorial. Em um artigo publicado em 2 de fevereiro de 2011, intitulado "Uma maior exigência de transparência e simplificação", intervém o próprio vice-editor do jornal Carlo di Cicco. Comentando e avaliando um estudo recente sobre o assunto, entretêm-se em meditações canônicas sobre estranhas situações de alguns novos Institutos de vida consagrada. Depois de muitas circunvoluções verbais sobre certas sociedades religiosas, algumas das quais são pouco conhecidas e de estilo de vida verdadeiramente original, chega-se ao que parece ser o verdadeiro alvo: os famigerados institutos dependentes daquele "estranho organismo", mais conhecido com o nome de "Ecclesia Dei".

Qual é a mensagem que permanece no leitor do artigo, habilmente escrito sob a forma de resenha pelo vice diretor? A “Ecclesia Dei” seria uma comissão singular, com poderes canônicos sui generis, que necessitaria de séria regulamentação em todos os campos, sem excetuar-se, de nenhum modo, o campo doutrinário. Ela, de fato, teria erigido alguns Institutos e dirigiria seu funcionamento; Institutos que, de acordo com o Código (promulgado em 1983, e portanto antes que João Paulo II decidisse a atual estrutura da Comissão), deveriam depender da Congregação para os Religiosos. Passemos adiante dos tons de legalismo kantiano, que parece não levar em qualquer consideração o primado da realidade sobre o direito positivo, pecado venial para os juristas de nossos tempos. Menos admissível, entretanto, é a repreensão velada à Santa Sé, que não se deixaria regular pelos cânones do direito. Como se esquecendo de que os Pontífices Romanos gozam de uma jurisdição “estensive universalis et intensive summa” e que o Papa, erigindo a Comissão "Ecclesia Dei" e confiando-lhe poderes extraordinários, não está fazendo nada mais do que exercer seu Primado. Primado que, agrade ou não aos canonistas, não está sujeito ao código, podendo ele amanhã dar mais poder a "Ecclesia Dei", como afirmam muitos, sem que o código limite suas ações. Mas em tempos de galicanismo episcopalista esse conceito parece ser pouco permeável nas mentes dos jornalistas católicos. É teologicamente, e portanto canonicamente, ridículo discutir a melhor forma de dobrar as escolhas do Papa à uniformidade do direito eclesiástico positivo, o qual recebe sua eficácia da promulgação papal e não das urnas parlamentares. O articulista não atingiu tal ponto, mas no seu “juridismo” dissociado da realidade, chega quase a insinuar, fazendo suas as conclusões de alguns estudos, que as aprovações canônicas da Ecclesia Dei deveriam ser reexaminadas. Aquilo que, para ele, deveria ser reconsiderado seriam os efetivos poderes da Comissão no passado e no presente, sugerindo até mesmo uma revisão retroativa.

O articulista então - não se entende bem se falando ex abundantia cordis , ou assumindo as conclusões dos canonistas citados – não sem uma audaciosa desfaçatez,  escreve que os Institutos que dependem da citada Comissão seriam ainda passíveis de um teste de controle sobre sua ortodoxia (!). Para compreender até que ponto a realidade ultrapassa a fantasia, nós relatamos as palavras textuais: "No que diz respeito aos Institutos aprovados pela " Ecclesia Dei ", poder-se-ia estudar se, uma vez comprovado que tudo esteja em ordem sob o aspecto doutrinário, a aprovação não possa ser concedida pela própria Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, um pouco como se  pedia o nihil obstat do Santo Ofício para a aprovação dos institutos religiosos." L'Osservatore Romano parece insinuar  ao leitor não só que a aprovação canônica, da qual se beneficiam os Institutos da Ecclesia Dei, ainda está "sub judice", mas sobretudo o influente jornal  acusa esses Institutos religiosos de ainda estarem pendentes de verificação sobre a catolicidade da sua doutrina. Citamos mais uma vez: " uma vez comprovado que tudo esteja em ordem sob o aspecto doutrinário".

Aliás, cabe ressaltar que preocupações semelhantes não intervieram quando, logo acima, falava-se dos problemas levantados pelas "novas comunidades religiosas" que excluem o celibato, mas que prevêem vida conventual mista para homens e mulheres. O Osservatore parece estar mais preocupado com aqueles que celebram o rito de São Pio V, que com os problemas que possam surgir  da promiscuidade conventual.

Quanto à acusação não muito velada de ortodoxia doutrinária duvidosa, feita aos Institutos "Ecclesia Dei", não sabemos o que o Osservatore não aprecia... talvez, a formação tradicional, segundo São Tomás de Aquino e o Magistério da Igreja, ou talvez a franqueza teológica, que ousa criticar as derivas às quais o Osservatore está, pelo contrário, acostumado. Admitimos, de bom grado, que a linha teológica do jornal não é a nossa, mas acreditamos que o citado "exame do Santo Ofício", seria mais oportuno para sua Redação do que para os Institutos acusados. Em dezembro de 2010, de fato, nossa revista  Disputationes Theologicae, na pessoa do autor destas linhas, juntou-se a uma denuncia  pública a Rev. da Congregação para a Doutrina da Fé, pedindo uma intervenção a respeito de algumas publicações do jornal vaticano, abertamente contrárias à doutrina da Igreja . Com efeito, em 10 de novembro de 2010, na p. 5, o "Presidente da União das Comunidades Judaicas Italianas" Renzo Gattegna, no artigo "Um futuro de amizade", publicado sem nenhum comentário de desaprovação - como se o texto fosse de um articulista qualquer, encomendado pela Redação -  exprimia-se nos seguintes termos:

"A fim de prosseguir com as iniciativas dedicadas à compreensão mútua e amizade, um gesto útil, necessário e certamente apreciado seria uma aberta declaração de renúncia, por parte da Igreja, a qualquer manifestação de intenção dirigida à conversão dos judeus, juntamente com a eliminação deste pedido na liturgia da sexta-feira que precede a Páscoa. Seria um sinal forte e significativo de aceitação de um relacionamento pautado por uma igual dignidade."


 
 

Estas declarações, condenadas pelo Magistério constante, desaprovadas também recentemente na Encíclica Redemptoris Missio [1] e na Declaração "Dominus Jesus" [2] - para não mencionar as inumeráveis condenações anteriores - são heréticas, contrárias à Revelação Divina, porque em aberta contradição com as palavras de Cristo (Marcos 16: 15-16, Mateus 28, 18-20) [3] e "contrárias à fé católica" [4]. Renunciar à conversão é contra a própria natureza da Igreja Católica. É escandaloso ler tais declarações no jornal da Santa Sé. Sem considerar o que foi escrito sobre a Sexta-feira Santa (que no texto não é mais nem sequer "Santa", mas é apenas uma sexta-feira "que precede a Páscoa"), cuja oração pela conversão dos judeus (aprovada pelo Papa Bento XVI) seria  exatamente eliminada, porque não respeitaria a igual dignidade entre as religiões. Publicar tal enormidade é coisa grave. Não vale esconder-se atrás da assinatura do Presidente das Comunidades Judaicas, para veicular o erro do indiferentismo religioso, sob o pretexto da liberdade de imprensa, no mais puro desprezo pelas recomendações do Magistério. O erro não tem direitos, e, se a Redação está convencida de que se trata de erro, está na obrigação moral de explicitar que essas posições são insustentáveis para qualquer católico, porque solenemente condenadas como incompatíveis com a fé católica. Que a comunidade judaica não reconhece Jesus Cristo como o único Salvador do mundo, sabemos pelo menos desde o tempo de São Paulo - e Gattegna, no fundo, chamado a colaborar, não fez mais do que repeti-lo – que o jornal da Santa Sé faça eco de tal  blasfêmia, sem nem ao menos comentar, é muito mais grave.

Em nossa opinião, o Osservatore Romano, faria bem em respeitar mais em seus artigos o Papa e as suas escolhas, sejam litúrgicas ou canônicas, assim como o Magistério constante da Igreja, e em evitar insinuações de heterodoxia contra os Institutos dependentes da "Ecclesia Dei". Ainda mais quando afirmações contra a unicidade salvífica de Jesus Cristo comparecem a suas páginas, associadas com o convite implícito para não se converter à fé católica. Não somos capazes de compreender como o jornal da Santa Sé possa convidar Renzo Gattegna, que até prova em contrário não é mesmo um membro da Igreja, para lançar o descrédito sobre a liturgia católica e sobre sua oração para a conversão de judeus à fé de Cristo. Oração, no entanto, recentemente promulgada para o rito tradicional, entre mil protestos e polêmicas, pelo Pontífice reinante, sobre o qual - com suma irreverência – se estende o descrédito. E também é impróprio e ofensivo sugerir que a Comissão Pontifícia "Ecclesia Dei" erija  canonicamente e governe Institutos, cuja ortodoxia doutrinária ainda tem que ser verificada. Neste caso, convidamos ainda uma vez a Redação ao respeito pelas instituições eclesiásticas e à prudência em suas afirmações que possam revelar-se lesivas à reputação de outrem. Com esse propósito não está excluído um recurso aos tribunais eclesiásticos competentes, para que se façam os devidos esclarecimentos e para que desculpas públicas sejam apresentadas  aos Institutos da "Ecclesia Dei", e aos membros individuais das citadas sociedades, severamente prejudicados pelas insinuações do artigo.

Após tais afirmações, não é difícil entender como é possível que o Sumo Pontífice encontre tantas dificuldades em sua obra de reforma da Igreja, nem é árduo compreender porque se encontram tantos obstáculos para a difusão dos Institutos tradicionais. Se sobre eles, e sobre a liturgia que celebram (veja-se a oração da Sexta-feira Santa) espalha-se o descrédito, é natural que as autoridades eclesiásticas locais não confiem neles, o que na prática vemos acontecer. Não causa espanto constatar que o episcopado é geralmente hostil ao rito tradicional, à obra de reforma do Papa e aos Institutos tradicionais, uma vez que o quotidiano da Santa Sé se permite gratuitamente afirmar que ainda deverão ser aprovados, " uma vez comprovado que tudo esteja em ordem sob o aspecto doutrinário".  


Apoiamos inteiramente as palavras do Bispo de San Marino, Sua Excelência Dom Luigi Negri, que declarou há alguns dias (Il Timone, janeiro de 2011): "o Papa está se cansando enormemente para fazer essa " reforma da reforma ". Há tendências negativas de resistência, não tão passivas. "

Padre Stefano Carusi

(Sacerdote dependente da Pontificia Comissão "Ecclesia Dei")

  




Uma cópia deste artigo foi enviada para a Redação de L'Osservatore Romano, juntamente com o pedido de retificação do que foi escrito. É nossa convicção que a Redação está na obrigação moral de dissipar os equívocos, tanto do artigo que convida ao sincretismo religioso quanto  das insinuações sobre os Institutos da "Ecclesia Dei". Uma cópia também foi enviada à Secretaria do Sumo Pontífice, à Congregação para a Doutrina da Fé e à Pontifícia Comissão "Ecclesia Dei".








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[1] Carta Encíclica Redemptoris Missio do Papa João Paulo II, 7 dezembro de 1990. No n. 55 se lê: "O diálogo não dispensa da evangelização".


[2] Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração "Dominus Jesus", 6 de agosto de 2000. No n.14 se lê: "Deve-se, portanto, crer firmemente como verdade de fé católica que a vontade salvífica universal de Deus Uno e Trino é oferecida e realizada de uma vez para sempre no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus".
[3] "Dominus Jesus", cit. n. 1: "O Senhor Jesus, antes de subir aos céus, ordenou aos seus discípulos para anunciar o Evangelho a todo o mundo e de batizar todas as nações:" Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado "(Mc 16:15-16)," Foi-me dada toda autoridade no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que vos tenho ordenado. Aqui estou sempre convosco, até ao fim do mundo "(Mt 28:18-20;. Cf Lc 24,46-48, Jo 17,18, 20,21, Atos 1:8)."

[4] "Dominus Jesus", cit. n. 6
Postado por  Disputationes Theologicae


TRADUÇÃO MONTFORT

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