quinta-feira, 17 de março de 2011

BENTO XVI E A ESPERANÇA

Alberto Luiz Zucchi
O recente noticiário a respeito da publicação possível e provável de uma Instrução da Comissão Ecclesia Dei a respeito do Summorum Pontificum deu novo alento à onda de comentários sobre a atuação do Papa Bento XVI. Esta discussão já havia tomado os ambientes chamados de tradicionais, especialmente os da Internet apesar desta não ser tão tradicional, desde o anuncio de uma nova jornada de Assis.
A leitura de muitos dos comentários me trouxe saudades do nosso Professor Orlando Fedeli (que, depois de tantos anos, nos acostumamos a chamar simplesmente de o Professor) .
Recordei-me de quando ele se referia a um fato do Antigo Testamento no qual um israelita vendo que a Arca da Aliança parecia tombar tentou segurá-la. No mesmo instante foi fulminado e morreu, porque era proibido tocar na Arca. Contava-nos o Professor que São Tomás ensina que este homem não cometeu pecado, mas com este fato Deus quis mostrar que os homens precisam ter confiança nele e mesmo quando parece que a Igreja “vai cair” não é permitido tomar iniciativas que são reservadas ao Clero. É necessário ter esperança na Providência.
Deus de nós exige confiança. Os apóstolos acordaram Nosso Senhor no meio de uma tempestade no mar, com medo de que o barco afundasse. Eles pediam um milagre e acreditavam que Nosso Senhor poderia fazê-lo, mas apesar disto eles foram repreendidos: “homens de pouca fé”. Não tiveram paciência de esperar o momento adequado que só Nosso Senhor conhecia.
Assim, em nossos dias, parece que muitos gritam contra o Papa na esperança de acordar Nosso Senhor, e parecem não ver que ainda dormindo ele pode agir, mesmo através de um Papa que outrora tenha sido um grande modernista. Um claro exemplo de querer “segurar a Arca” pode-se ver na absurda ampliação do chamado “estado de necessidade” que permitiu a alguns a criação de tribunais religiosos paralelos à autoridade papal, que se permitem declarar a nulidade matrimonial. E não duvido que, no futuro, possa ser a justificativa até para a criação de institutos religiosos e dioceses.
De fato o Professor tinha muita esperança de que Bento XVI seja o Papa que, de acordo com um dos sonhos de Dom Bosco, após uma grande luta, traria de volta a barca da Igreja para amarrá-la junto às colunas da Eucaristia e de Nossa Senhora. Isto não significa dizer que o Professor apoiasse todas as iniciativas do Papa. Ele jamais apoiaria o encontro de Assis,  e certamente não estaria de acordo com qualquer restrição à Missa Antiga. Mas certamente o Professor não esteve e não estaria entre aqueles que pretendem segurar a “Arca”.
O que levava o Professor a ter esta esperança em Bento XVI?
Creio eu que uma primeira razão pode ser encontrada na própria vida do Professor.
Não conheci ninguém que tivesse sido um instrumento de Deus, como foi o Professor, para operar tantas e tão profundas conversões. Digo instrumento porque ele foi o meio que Deus utilizou para realizar essas conversões. O próprio Professor não se cansava de repetir isto. Assim, o Professor sempre tinha esperança nas conversões mais difíceis e muitas vezes elas aconteciam. Desta forma, o fato de Bento XVI ter sido um teólogo modernista, de maneira nenhuma se constituía em um impeditivo para que o Professor acreditasse em uma possível mudança de posição. Talvez seja a falta da experiência de ter realizado coisas aparentemente impossíveis, a razão por que muitos não acreditam que Bento XVI possa ser o Papa que, de forma vacilante e cambaleante, como na visão de Fátima, esteja a caminho de uma montanha encimada por uma cruz.  Como exemplo podemos citar o Sr. Sidney Silveira, que declara concordar em muitos pontos com o Professor, mas discordar dele neste assunto. Assim, nesse aspecto – só nesse aspecto! -  ele se posiciona  mais próximo das opiniões de representantes da Fraternidade São Pio X.
Mas, o Professor citava outras e mais importantes razões para se ter esperança em Bento XVI, sempre lembrando que, segundo outro sonho de Dom Bosco, o tempo de afastamento da Cidade Santa é o mesmo tempo que demoraria para o retorno.
Uma destas razões é o ódio dos progressistas. Em suas aulas, contava o Professor que durante o Vaticano I um bispo velho e surdo, mas com uma doutrina muito correta se manifestava ora aplaudindo, ora protestando contra os discursos que eram feitos pelos Bispos. Alguém então o questionou como ele sabia de que forma se manifestar se era surdo. Ele então respondeu “é muito simples eu olho monsenhor Dupanloup, quando ele aplaude, eu critico, quando ele critica, eu aplaudo”. Assim, Bento XVI é muito criticado pelos modernistas e, portanto, é nossa obrigação aplaudi-lo sempre que possível. Quantas traições por parte dos modernistas não tem Bento XVI sofrido? Basta lembrar do padre Lombardi, seu porta voz, desmentido o Papa em tantas ocasiões.
Providencialmente, enquanto revisava este artigo apareceu em um site de importância nacional, com destaque, um artigo criticando o Papa:
“Os leitores mais atentos e fiéis do Balaio já sabem que não simpatizo muito com o papa Bento 16, o ultra conservador líder religioso alemão que está fazendo de tudo para esvaziar os templos da Igreja Católica”.
O autor é um esquerdista, cuja fraqueza intelectual e  parcialidade me dispensam de citá-lo nominalmente, mas vale a pena perguntar quando foi a última vez que a esquerda chamou um Papa de “ultra conservador”? Talvez tivéssemos que voltar aos tempos de São Pio X...
O ódio que setores progressistas demonstram a Bento XVI só é comparável à raiva que alguns setores tradicionalistas têm ao mesmo Papa. Assim os sedevacantistas se espalham como nunca, apesar de ser inegável que nenhum papa, desde o Concílio Vaticano II, tenha feito tanto pela Missa Antiga como Bento XVI. Apesar de todas as vantagens que obtivemos durante o reinado de Bento XVI, esses setores cada vez mais radicalizam sua oposição ao Papa, e nos dias de hoje já temos os “eclesiovacantistas”: segundo estes, não só a Sé de Pedro é vacante, mas não existem mais bispos no mundo todo ou nem mesmo um clero visível. Como ensina São Tomás, a “forma” de uma sociedade é dada pela  sua autoridade. Os sedevancantistas destroem a  autoridade do Papado, pois acreditam que têm direito de destituí-lo. Ao fazer isto, para eles, a  Igreja  perde sua “forma”.
De forma contrária, é curioso como alguns dos chamados tradicionalistas esquecem do bem feito por Bento XVI e somente ressaltam as suas falhas. Mas quando se trata de seus próprios grupos, agem de maneira diversa. Veja-se, por exemplo, o caso de Dom Williamson. Quanto mal não fizeram suas declarações exatamente no momento em que o Papa preparava o levantamento das excomunhões dos Bispos da Fraternidade? Quando ainda tínhamos contato com o Padre Beauvais, na época o superior da FSSPX para a América do Sul, ele comentou que existiam até padres gnósticos na Fraternidade. Nada disto é lembrado, os simpatizantes da FSSPX somente ressaltam as suas próprias atividades em favor da Missa Antiga, o que é sem dúvida um trabalho excelente.

Também foi a atuação de Bento XVI no caso da Missa que levou o Professor, e leva a nós hoje, a termos esperança neste Papa, assim como nos dá a convicção de que um retorno encontra-se em curso. E nesse caso basta lembrarmos o Motu Proprio Summorum Pontificum sobre a liturgia tridentina. Lembro-me do tempo em que os Padres em São Paulo se recusavam sequer a falar sobre a Missa Antiga. Hoje, somente na cidade de São Paulo, sem contar as cidades vizinhas, são ao menos cinco lugares onde essa Missa pode ser assistida de forma pública. E só não temos mais locais porque é difícil encontrarmos padres que estejam dispostos a celebrá-la, e não porque haja qualquer impedimento de Roma. Ademais, a afirmação de que a Missa Antiga nunca foi proibida nos tirou da posição de desobedientes, e colocou nesta situação todos aqueles que se recusaram em atender, no passado, a nossos pedidos, justificando assim o nosso trabalho de anos e transformando em um ato ilegal toda a perseguição que sofremos por causa da Missa.
Outro ponto que deixa claro este retorno foi a criação do IBP. Um Instituto que tem como rito exclusivo o missal de 1962 e que deve fazer criticas construtivas ao Vaticano II, deixa claro a todos que o Vaticano II não é um concílio infalível e que se pode pertencer a Igreja Católica sem assistir à Missa Nova. É uma pena que tantos daqueles que se atribuem um papel importante na luta pela “tradição” lhe façam tanta oposição.
Convivi trinta e oito anos com o Professor. Será que, apesar de ter um temperamento tão diferente do dele, este convívio também teria me transformado em um otimista? Mais do que todos os fatos citados anteriormente, nossa esperança, do Professor e a minha, está em que, apesar de todas as misérias humanas, inclusive as nossas, jamais deixamos de acreditar na Igreja. Isto significa acreditar na promessa de Cristo a Ela: “as portas do inferno não prevalecerão contra ti”. São Pio X na encíclica  Vehementer Nos, lamentando a lei francesa que determinou a separação entre a Igreja e o Estado, profetizou que a lei acarretaria prejuízos para a Igreja e para a França, acrescentando, entretanto, que sua preocupação com a França era muito maior do que com a Igreja, pois a promessa de perenidade feita por Cristo se dirigiu à Igreja e não à França. Também nós, apesar de nos preocuparmos com a situação da Igreja, devemos estar muito mais atentos com nossas próprias fraquezas, pois a promessa de Cristo foi feita para a Igreja e não para a Montfort ou para FSSPX. Assim, é somente na Igreja que repousa nossa esperança.
Que Nossa Senhora de Fátima nos ajude a manter a fé apesar de ver que a “Arca” está prestes a tombar. Que não tenhamos a ousadia de tocá-la, e que continuemos acreditando que Nosso Senhor, mesmo dormindo, move os céus e a terra, e também pode mover o Papa, que sempre foi e continua sendo o seu representante.